sábado, 15 de junho de 2013

"SENTENÇA DO JUIZ MUNICIPAL EM EXERCÍCIO, AO TERMO DE PORTO DA FOLHA – 1883.
SÚMULA: Comete pecado mortal o indivíduo que confessa em público suas patifarias e seus boxes e faz gogas de suas víctimas desejando a mulher do próximo, para com ella fazer suas chumbregâncias.
O adjunto Promotor Público representou contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Senhora Sant´Anna, quando a mulher de Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de tocaia em moita de matto, sahiu dela de sopetão e fez proposta a dita mulher, por quem roía brocha, para coisa que não se pode traser a lume e como ella, recusasse, o dito cabra atrofou-se a ella, deitou-se no chão deixando asencomendas della de fora e ao Deus dará, e não conseguio matrimônio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreyo Correia e Clemente Barbosa, que prenderam o cujo flagrante e pediu a condenação delle como incurso nas penas de tentativa de matrimônio proibido e a pulso de sucesso porque dita mulher taja pêijada e com o sucedido deu luz de menino macho que nasceu morto.
As testemunhas, duas são vista porque chegaram no flagrante e bisparam a pervesidade do cabra Manoel Duda e as demais testemunhas de avaluemos. Dizem as leis que duas testemunhas que assistem a qualquer naufrágio do sucesso faz prova, e o juiz não precisa de testemunhas de avaluemos e assim:
Considero que o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento, por quem roía brocha, para coxambrar com ella coisas que só o marido della competia coxambrar porque eram casados pelo regime da Santa Madre Igreja Cathólica Romana.
Considero que o cabra Manoel Duda deitou a paciente no chão e quando ia começar as suas coxambranças viu todas as encomendas della que só o marido tinha o direito de ver.
Considero que a paciente estava pêijada e em consequência do sucedido, deu a luz de um menino macho que nasceu morto.
Considero que a morte do menino trouxe prejuízo a herança que podia ter quando o pae delle ou mãe falecesse.
Considero que o cabra Manoel Duda é um suplicado deboxado, que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quis também fazer coxambranças com a Quitéria e a Clarinha, que são moças donzellas e não conseguio porque ellas repugnaram e deram aviso a polícia.
Considero que o cabra Manoel Duda está preso em pecado mortal porque nos Mandamentos da Igreja é proibido desejar do próximo que elle desejou.
Considero que sua Majestade Imperial e o mundo inteiro, precisa ficar livre do cabra Manoel Duda, para secula, seculorum amem, arreiem dos deboxes praticados e as sem vergonhesas por elle praticados e apara as fêmeas e machos não sejam mais por elle incomodados.
Considero que o Cabra Manoel Duda é um sujeito sem vergonha que não nega suas coxambranças e ainda faz isnoga das incomendas de sua víctima e por isso deve ser botado em regime por esse juízo.
Posto que:
Condeno o cabra Manoel Duda pelo malifício que fez a mulher de Xico Bento e por tentativa de mais malifícios iguais, a ser capado, capadura que deverá ser feita a macete.
A execução da pena deverá ser feita na cadeia desta villa. Nomeio carrasco o Carcereiro. Feita a capação, depois de trinta dias o Carcereiro solte o cujo cabra para que vá em paz.
Por Que Morrer?
Por Débora Diniz*
"Porque a vida para mim neste estado não é digna". Essa foi a justificativa de Ramón Sampedro, personagem do filme Mar Adentro, à demanda judicial pelo direito a morrer assistido. O tema da eutanásia e do direito à morte digna está na pauta de debates internacionais não apenas pela batalha judicial em torno de Terri Schiavo, a norte-americana que teve o tubo de alimentação retirado por decisão judicial, mas especialmente pelo crescente envelhecimento da população. Os anos conquistados pelo processo civilizatório e o progresso da medicina trouxeram para o centro das discussões éticas a pergunta de como e até quando queremos viver. E mais importante ainda: se temos o direito de deliberar sobre nossa própria morte.
Diferentemente da medicina nazista, em que a eutanásia foi compreendida como uma prática de extermínio de pessoas indesejáveis, o debate contemporâneo sobre o direito de morrer é fundamentado em premissas de direitos humanos. Não se discute quem deve ou não viver, se há ou não doenças que justifiquem a eutanásia, mas sim se as pessoas devem ou não ser livres para decidir sob quais condições a experiência da vida é intolerável e a morte é desejada. Eutanásia como o exercício de um direito humano fundamental é resultado de uma deliberação estritamente individual sobre o sentido da vida e da morte. Nesse contexto, eutanásia não é uma recomendação médica ou uma imposição do Estado, mas um ato de escolha privado pautado por premissas éticas, religiosas ou filosóficas sobre a existência humana.
O direito a se manter vivo é, certamente, um dos direitos mais fundamentais que possuímos. O princípio ético de que a vida humana é um bem sagrado e que, portanto, deve ser protegido por legislações de um Estado laico faz parte de nosso consenso moral sobreposto. Diferentes religiões e convicções morais sustentam o direito à vida como um princípio ético fundamental ao nosso ordenamento social. Discorda-se é sobre a santidade da vida humana, ou seja, sobre sua intocabilidade. Afirmar a sacralidade da vida humana não significa santificá-la, isto é, impedir que se possa deliberar sobre como e até quando queremos nos manter vivos. Para muitas pessoas, como é o caso do personagem principal do filme "Mar Adentro", o desejo de se manter vivo passa pela capacidade de viver a vida. Ou pela intensidade do desejo de não mais ser mantido vivo.
Exatamente por ser uma escolha individual que não há porque se temer a legalização da eutanásia. Um Estado democrático assentado na razão pública reconhece o direito de estar e de se manter vivo como um dos mais fundamentais. Mas o mesmo Estado não deve transformar o direito no dever de se manter vivo. Ninguém deve ser obrigado a viver, assim como ninguém pode ter sua vida eliminada contra sua vontade. Há experiências de doenças, de sofrimento intenso, quadros clínicos irreversíveis que eliminam o prazer e o sentido da vida para algumas pessoas. A absoluta falta de desejo pela vida faz com que algumas pessoas prefiram morrer a sobreviver em condições que consideram indignas, como foi o caso de Ramón e de tantos outros personagens ficcionais ou da vida real que necessitaram expor suas histórias de sofrimento em longos itinerários judiciais para garantir o direito a morrer dignamente.
Mas afirmar que há pessoas que consideram suas vidas indignas não significa que a vida de outras pessoas em condições semelhantes seja, por analogia, também indigna. A avaliação sobre como viver a vida e como qualificá-la é estritamente individual e qualquer tentativa de estabelecer critérios universais é um ato arbitrário e autoritário de julgamento moral. O fato de vivermos em uma sociedade plural, rica em crenças e valores religiosos, não permite que se reconheça um sentido único para a vida ou para morte. Assim como temos diferentes noções de bem e de felicidade, temos diferentes formas de definir e encarar a experiência da morte. Um Estado laico e plural, ao mesmo tempo em que reconhece a centralidade do direito a se manter vivo, deve também reconhecer o direito à morte digna.
Em alguns casos, morrer dignamente pressupõe o auxílio de outra pessoa, em geral um profissional de saúde. Esse auxílio à morte não deve ser qualificado como homicídio, mas assim como outros atos médicos de atenção à pessoa doente, também um ato de cuidado. Cuidar das pessoas, inclusive auxiliando-as a morrer, é um dos maiores exemplos da virtude humana da solidariedade. Somos solidários não quando promovemos nossas crenças morais, mas quando somos capazes de nos aproximar de crenças diversas das nossas, garantindo e promovendo o seu exercício. Indiferente à crença individual de cada um de nós, o direito à morte digna é um sinal de um Estado solidário, plural e laico que reconhece a diversidade moral de seus cidadãos.