Bem adquirido?
Neste fim de semana, entre uma leitura e outra de jornal, deparei com a inacreditável declaração de um famoso cantor sertanejo sobre sua ex-mulher. Fazendo o tipo moderno, totalmente transparente, ele confessou que traiu a mulher durante 10 anos. Até aí nenhuma novidade. Ele, no entanto, fez questão de dizer que é um homem muito apegado à família e não quer que a ex-mulher seja magoada por outro homem. Basta ele, não é mesmo?
Promete sair na porrada se isso acontecer. Mas, o pior vem agora. Ele justificou a sua intenção protecionista dizendo que a ex-mulher é um bem que ele adquiriu. Assim mesmo. Tipo fogão, geladeira, máquina de lavar, micro-ondas ou qualquer outro eletrodoméstico comprado em 10 parcelas, sem entrada e sem acréscimo. O artista que canta, melosamente, o amor e a mulher, se considera eterno proprietário da ex-companheira.
Se o casal já não estivesse separado, essa seria a hora correta para a mulher, que comeu o pão que o diabo amassou, ajudando-o na carreira, pedir o divórcio imediatamente. Quem gosta de ser comparado a um bem que não tem direito a pensar, sentir, reagir, opinar? Não sou nenhuma feminista ortodoxa, mas me pergunto como depois de milhares de anos de civilização ainda há alguém que se refira à (sua) mulher como um bem adquirido. A sensação é de que o cantor, hoje totalmente recauchutado, quando era jovenzinho comprou a ex-mulher, mãe de suas filhas, em algum mercadinho da esquina de uma cidade qualquer do interior.
O pior nisso tudo é que ainda há mulheres que se sentem elogiadas com uma declaração dessas. Ah! Ele me traiu, mas ainda gosta de mim, é o que muitas pensam. E para completar a estupidez me dou conta que há homens aparentemente modernos que não expressam, por vergonha ou por medo da reação feminina, mas pensam e sentem que a mulher com quem estão casados não passa de um bem adquirido. Eta machismo difícil de acabar.
Núbia Silveira é jornalista.
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