domingo, 28 de setembro de 2014

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Anandamida - Uma maconha endógena?

Anandamida

A substância é produzida pelos humanos e comparada ao THC, princípio ativo da maconha. O composto tem efeitos analgésicos e antidepressivos

Correio Brasiliense - Alfredo Durães -Publicação: 08/09/2010

Belo Horizonte — Em sânscrito, ananda significa algo como serenidade ou felicidade suprema. A palavra virou inspiração para que a comunidade científica batizasse como anandamida uma substância endógena (produzida pelo organismo; no caso, o cérebro humano) descoberta em 1992. Ela pode ter efeitos analgésicos, ansiolíticos e antidepressivos semelhantes aos do THC, componente da espécie vegetal Cannabis sativa, mais conhecida como maconha.

Entender melhor as funções dessa substância endógena, para que ela possa ser usada de forma medicinal, é o objetivo dos professores Fabrício Moreira e Daniele Cristina de Aguiar, que desenvolvem, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisas sobre a anandamida, o THC e outras propriedades da Cannabis sativa. Os estudos têm colaboração do Instituto Max Planck de Psiquiatria de Munique (Alemanha) e dos departamentos de Neurociências e de Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, unidade de Ribeirão Preto.

“Não se trata de apologia à maconha”, ressalta, pela segunda vez durante a entrevista, o professor de farmacologia Fabrício Moreira, 33 anos, acrescentando que a droga causa problemas sim. “Mas é sabido que ela tem potenciais medicinais. Nossa intenção é tirar proveito da parte positiva, usando uma substância análoga. No caso, a anandamida”, explica. Em relação aos problemas causados pela maconha no organismo humano, o professor cita a perda de memória e de coordenação motora, entre outros.

Nos laboratórios da UFMG, pesquisadores lutam para descobrir o funcionamento da anandamida e como ela poderia ser utilizada como medicamento

No Laboratório de Neuropsicofarmacologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, Fabrício e Daniele Aguiar testam em animais (camundongos) os efeitos da anandamida e do THC. Além disso, estudam outras substâncias da maconha, a exemplo do canabidiol, com o intuito de contornar os problemas advindos do uso do THC. “Em colaboração com a USP de Ribeirão Preto, já identificamos diversas propriedades farmacológicas do canabidiol”, diz Moreira.

O professor acrescenta que o principal desafio — e, ao mesmo tempo, a abordagem mais promissora — talvez seja aumentar os níveis da anandamida no cérebro, de modo a potencializar os efeitos benéficos da substância e evitar a administração de THC. “Desde a década de 1980, o mundo científico começou a entender como a maconha interfere em locais específicos do cérebro, mas ainda não se sabe como evitar completamente seus efeitos danosos”, explica.

Comparando resultados

Nos camundongos, os pesquisadores injetam doses de THC e também de URB 597 (uma substância sintética produzida na Universidade da Califórnia, que reproduz os efeitos da anandamida) para analisar e comparar resultados. De acordo com os professores, a conclusão dos estudos poderá servir de suporte para as indústrias farmacêuticas um dia virem a produzir um medicamento que aumentaria os níveis de anandamida no organismo, o que seria usado de forma terapêutica. Ou ainda no tratamento de dependentes com transtornos de uso da substância, que seria a terapia de substituição contra a abstinência de maconha. Dizem ainda que, no caso do tratamento da heroína, por exemplo, já existe um medicamento que serve de “substituto” da droga para minorar os efeitos da abstinência.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

 Seja qual for o Candidato à Presidencia da República e de qual partido seja, o que ele deve fazer é cumprir a ''Lei de Responsabilidade Fiscal'' e só!!!!

Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. É o código de conduta para os administradores públicos que passarão a estabelecer normas e limites para administrar finanças, prestando contas de quanto e como gastam os recursos da sociedade.
Para alcançar este objetivo a Lei dispõe de meios, dentre os quais destaca-se a ação planejada e transparente na busca do equilíbrio das contas públicas, cujas metas de resultado entre receitas e despesas devem ser cumpridas, assim como os limites e condições para a renúncia de receita, despesas com pessoal, seguridade social, dívidas consolidada e mobília, operações de crédito, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar.
Em síntese, a Lei de Responsabilidade Fiscal objetiva disciplinar a gestão dos recursos públicos atrelando maior responsabilidade aos seus gestores.
Através da transparência na gestão pública, todo o cidadão tem o direito de saber onde e 
como está sendo gasto o dinheiro público. Por esta razão, cada governante terá que publicar o 
Relatório de Gestão Fiscal (RGF) e o Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO), em 
linguagem simples e objetiva. O acesso público será amplo, inclusive por meio eletrônico. 
Quadrimestralmente, o Poder Executivo avalia o cumprimento de metas fiscais em audiência 
pública. A partir daí, caberá a sociedade cobrar ações e providências de seus governantes. Esta 
cartilha é um dos instrumentos que a Prefeitura Municipal de Fortaleza utiliza para orientar sobre a 
gestão fiscal. 

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

POR  EM 12/07/2010 ÀS 08:59 PM

Imagine um mundo sem religiões

publicado em 
Múcio é um homem velho, vivido, vívido e voraz quando o assunto é Deus. Ateu pacífico, destemido, provocador gentil, ele tem certeza absoluta: “acabe com o dinheiro e você assistirá ao fim de todas as religiões”. Como assim, Múcio?!
A conversa começou com José Saramago, escritor português recentemente ceifado da superfície do planeta, igualmente ateu e cheio de impaciência com a parcela crente da humanidade (e que deve corresponder à maioria). Polêmico, Saramago tornou-se uma criatura deveras distante da unanimidade entre leitores e críticos literários. Certamente, teve a sua literatura afetada (ou mesmo, superestimada) por causa das suas convicções políticas. Política e literatura: taí uma farofa indigesta.
Apesar da idade avançada e do câncer de próstata recentemente descoberto, Múcio não sucumbe à tentação da crença inabalável a um ser divino, no “apagar da luzes”, como ele mesmo gosta de dizer. Embora o médico tenha afirmado que ele morrerá de outra doença que não o câncer — pois se trata de um tumor minúsculo diagnosticado em fase muito precoce —, Múcio anda entregue às reflexões existencialistas. “Meus amigos e ex-colegas de trabalho já morreram, ou estão inválidos em suas cadeiras de roda sendo cuidados por terceiros. Eu continuo na ativa. Sendo assim, de hoje em diante, só vou fazer aquilo que tiver vontade. Por exemplo, enquanto houver juízo, não paro de trabalhar”, ele comenta.
Na semana passada, Múcio reviu o Agenor, um amigo de infância também sorteado com a mesma doença. O ambiente na sala de espera da clínica de radioterapia ficou deveras agitado, porque ambos não continham a animação do encontro, recordando episódios da juventude, listando os que já se escafederam ou se entrevaram, debulhando uma piada atrás da outra. Os demais pacientes assistiam à cena sem entender o por quê de tamanha animação.
Não custou muito, apareceu uma enfermeira — tão bonita quanto aquela do clássico cartaz — que colocou o dedo indicador em riste na frente do rosto pedindo silêncio, por favor, meus senhores. Os dois sorriram abafados até os olhos vazarem de tanta lágrima e a vermelhidão tomar conta das suas cabeças há muito desprovidas de cabelo.
Ao mesmo tempo em que ouço as anedotas que o Múcio conta, penso o que seria do mundo se não houvesse as religiões. Seria melhor ou pior do que vemos hoje? Seria mais pacífico? Haveria menos fome e injustiça social? Faço do meu octogenário amigo um guru, e ele não titubeia, garante: “seria bem melhor, pode ter certeza”.
A conversa com o velho Múcio conduz-me a um pingue-pongue mental não verbalizado, marcado pelo antagonismo. Penso naqueles que possuem uma fé irremovível, comovente, incondicional, criaturas devotas absolutamente comprometidas com as ações desenvolvidas pelas suas respectivas igrejas.
Penso nas campanhas solidárias, na arrecadação de alimentos, agasalhos, remédios e outros mantimentos. Penso na sopa comunitária que os voluntários da igreja do meu bairro servem aos moradores de rua da cidade (uma vergonha, um dos maiores descalabros sociais que se tem notícia, e que ninguém resolve).
Penso nos crentes fervorosos que percorrem os hospitais a fim de levarem algum lenitivo aos doentes graves, terminais, e aos seus parentes com a fé já miudinha, judiada, duvidosa. Penso também nas mulheres carpideiras que percorrem funerais de gente conhecida ou desconhecida, cantando hinos, encomendando almas, consolando os sobreviventes, garantindo que há sim um local bem melhor do que este aqui, a ser desfrutado na companhia do Pai, do Filho, e do Espírito Santo (o que afinal significa esta trinca?!), dos anjos, dos santos, e de todas as pessoas que a gente amava e que já desencarnaram. Ora, perante tamanha iniquidade no planeta, uma vala profunda, per si, já seria uma redoma pra lá de tranquila.
Penso nos auditórios, templos, galpões lotados com o povão, nos cultos, nas cerimônias das mais variadas agremiações religiosas, e de como um inestimável contingente de pessoas busca nestes lugares refúgio, combustível pra tocar a vida. Rezam alto, cantam, buscam convencer-se mutuamente que a fé vale a pena, e que é fundamental continuar acreditando.
Por outro lado, alicerçado na História da Humanidade, penso nas incontáveis vertentes religiosas, na intolerância mútua, nas barbaridades cometidas pelos homens em nome da divindade, desde as sociedades mais antigas, as tribos primitivas, até a atualidade, em que homens-bombas continuam explodindo qualquer tentativa de se compreender como seria este ser divino que referenda a morte de outrem. Matar é preciso, com toda a fé, em nome de Deus, amém.
Penso na Inquisição, no desserviço à ciência e ao intelecto humano, nas perseguições covardes, na manipulação da fé alheia, no massacre da liberdade de pensamento, nas fogueiras que queimaram bruxas, hereges, doentes mentais, homossexuais, gênios da ciência e demais seres ameaçadores, adversários da igreja.
Penso nos crápulas travestidos como líderes religiosos enveredados na pedofilia, uma das modalidades mais abomináveis de violência contra o ser humano.
Fantasio um mundo sem religiões, conforme propõem Múcio, Saramago, e John Lennon, na canção Imagine: “...imagine que não existam países, nada pelo que matar ou morrer, e nem religiões também...”. Religião é ferramenta de dominação ou controle? O mundo subsistiria, organizadamente, sem o pecado, o castigo, o medo, o inferno, e a certeza da vida eterna após um último suspiro?
Enquanto ouço meu adorável e senil amigo teorizar a respeito da vida e da morte, da crença e da descrença, da alma e da falta dela, viajo em meus pensamentos, traço paralelos, mas não chego a qualquer resposta, senão que já é tarde da noite e o meu corpo tem fome de pão. Se é assim com o corpo, imaginem só com o pensamento, ao que alguns preferem chamar alma, espírito, sopro, energia, cataplasma, fantasma, luz, etc...

sexta-feira, 5 de setembro de 2014


Psicologia em Pediatria
Crianças que são cruéis com animais
Agnaldo Garcia
Biólogo. Mestre em Psicologia Social pela USP e pela PUC/SP. Doutorando em Psicologia Experimental pela USP. Aprovado em Concurso para Professor Assistente do Departamento de Psicologia e do Desenvolvimento da UFES.

INTRODUÇÃO
O relacionamento entre crianças e animais, fato comumente observado em nossa sociedade, é algo complexo e diversificado. As diferentes formas de interação entre a criança e um animal, geralmente um cão ou gato, têm chamado a atenção de psicólogos e psiquiatras, pela possibilidade de se conhecer melhor a criança e sua personalidade, através de como ela se relaciona com animais.
O relacionamento entre pessoas e animais tem gerado um grande número de pesquisas. Nos últimos anos têm sido criadas sociedades, instituições e revistas científicas voltadas para o estudo desse relacionamento.
O relacionamento entre a criança e o animal apresenta diversos aspectos, que merecem ser investigados. Na literatura se pode encontrar, por exemplo, estudos preocupados com o medo excessivo (fobias) que algumas crianças apresentam em relação a animais. Em outros casos, o estabelecimento de vínculos afetivos intensos tem chamado a atenção dos pesquisadores. Em casos específicos, animais têm sido empregados com sucesso até mesmo como recurso terapêutico para o tratamento de crianças com diferentes problemas.
Nos parágrafos seguintes procuramos apresentar uma forma particular de relacionamento entre crianças e animais, com implicações importantes para a compreensão e previsão do comportamento infantil: a crueldade exercida por parte da criança contra os animais. A crueldade contra animais é entendida como um conjunto de atos que deliberadamente, repetidamente e desnecessariamente ferem animais vertebrados, com a probabilidade de causar ferimento grave ou dor. Não são considerados atos de crueldade matar invertebrados, como moscas, baratas e aranhas. Também não é visto como cruel o ato moderado de disciplinar um animal, como no treinamento de um cão de estimação.
A crueldade contra um animal é, talvez, a maior distorção do relacionamento entre homem e animal. Um ponto que tem gerado interesse particular nesse tema é a possibilidade de que a crueldade da criança contra um animal não seja um fato isolado, mas revele e tenha valor preditivo em relação a uma condição anti-social do futuro adulto.
HISTÓRICO
Já no século XVIII, Hogarth, em "Os Quatro Estágios da Crueldade" (1750-1751), havia descrito a progressão da crueldade no desenvolvimento humano, que teria início na criança que tortura animais, passando pelo jovem que bate em um cavalo inválido até o adulto que mata outra pessoa.
A primeira menção na literatura científica a respeito da correlação entre violência contra animais e contra pessoas apareceu no "Tratado sobre a Insanidade", de Philippe Pinel (1745-1826), autor francês, considerado um dos pais da Psiquiatria. Neste tratado, escrito em 1806, Pinel relata o caso de um paciente com vários episódios de violência dirigida contra pessoas, chegando, finalmente, a matar um homem. No relato do caso, Pinel escreveu que se um cão, um cavalo ou qualquer outro animal ofendesse o paciente, ele imediatamente o mataria.
John Bowlby, que se tornou conhecido por seus estudos sobre os fenômenos de apego e separação, considerou que a crueldade infantil dirigida contra animais e outras crianças seria um traço característico, embora não comumente observado, gerado por privação afetiva.
A imprensa norte-americana, nos anos 70 e 80, em vários momentos, chamou a atenção para o fato de criminosos perigosos também apresentarem episódios de violência contra animais durante a infância. O Los Angeles Times, em uma edição de 1973, descreveu um homicida múltiplo da Califórnia como tendo uma história de crueldade contra gatos e cães. Uma edição do Washington Star, de 1977, contava fatos da vida de um assassino que havia atuado em Nova York. O "Filho de Sam", como era conhecido, odiava cães, tendo matado vários animais na vizinhança. O Washington Post, em uma edição de 1979, descrevia um homicida que havia cometido vários crimes e que, quando criança, teria imerso gatos em containers de ácido usado em baterias de automóveis. A American Humane, de maio de 1978, informava que Albert de Salvo, o famoso estrangulador de Boston, costumava pegar cães e gatos em armadilhas e depois os colocava em engradados para transportar laranjas e os usava como alvos para atirar flechas. Uma edição do Lowell Sun, de 1982, narrava o caso de um jovem criminoso homicida que havia admitido "matar por diversão". O réu, quando jovem, teria colocado amoníaco em aquários para ver as tartarugas ficarem brancas e torturado outros animais. A literatura reúne dados sobre os mais famosos homicidas múltiplos, em cuja infância podem ser encontrados vários episódios de excessiva crueldade contra animais.
DA CRUELDADE CONTRA ANIMAIS PARA O CRIME
A crueldade contra os animais e sua relação com o comportamento agressivo dirigido a seres humanos tem despertado o interesse dos cientistas nas últimas décadas. Abaixo apresentamos, sumariamente, algumas pesquisas que encontraram uma relação positiva entre a crueldade contra animais e contra pessoas.
Hellman e Blackman (1966) foram os primeiros a encontrar apoio empírico, estatístico, para essa relação. Investigando prisioneiros acusados de crimes violentos e de crimes não violentos, a crueldade contra animais na infância foi relatada em 52% dos prisioneiros agressivos e apenas por 17% dos prisioneiros não agressivos. Pela primeira vez, havia dados concretos indicando a relação entre a crueldade contra animais na infância e a violência contra seres humanos na vida adulta.
Yudowitz e Felthous (1977) estudaram a violência contra animais e pessoas em homens e mulheres encarcerados. Matar animais quando criança era mais comum entre homens, mas torturar animais foi observado igualmente em ambos os sexos. A crueldade contra animais foi o único comportamento infantil que diferenciou as mulheres acusadas de crimes violentos daquelas sem acusação de violência. Assim, a crueldade direcionada a animais também seria preditivo de violência contra humanos, no caso de mulheres.
Felthous (1980) relatou um estudo com 429 pacientes psiquiátricos. Entre os homens agressivos, matar cães ou gatos e crueldade contra animais estavam presentes em sua infância. Os pacientes com episódios repetidos de torturas e ferimentos envolvendo cães e gatos também foram os que mostraram o maior nível de agressão contra pessoas.
Kellert & Felthous (1985) examinaram a relação entre crueldade contra animais na infância e comportamento agressivo contra pessoas entre criminosos (agressivos, moderadamente agressivos e não agressivos) e não criminosos na vida adulta, a partir de entrevistas com 152 criminosos e não criminosos em Kansas e Connecticut. A agressividade foi definida por critérios comportamentais e não simplesmente pelo motivo do encarceramento. Os resultados indicaram que a crueldade contra animais na infância ocorreu mais entre criminosos agressivos do que entre criminosos não agressivos e não criminosos. Os resultados demonstraram haver relação entre maus-tratos aplicados a animais durante a infância e atos violentos praticados contra pessoas na vida adulta. Os autores ainda descobriram que atos repetidos de crueldade grave contra animais socialmente valorizados (como cães) estavam mais intimamente associados com a violência contra pessoas do que atos isolados de crueldade, abusos menores e vitimização de espécies menos valorizadas socialmente (como ratos). Em termos proporcionais, 25% dos criminosos agressivos haviam maltratado animais cinco ou mais vezes na infância. Esta porcentagem caiu para 5,8% no caso dos criminosos não agressivos. Entre os sujeitos do grupo-controle, sem qualquer envolvimento com atos criminosos, nenhuma ocorrência contando com cinco ou mais casos de agressão contra animais na infância foi encontrada. A ocorrência de mais de 40 casos de crueldade extrema facilitou o desenvolvimento de uma classificação preliminar de nove motivações distintas para a crueldade animal (apresentadas abaixo).
Felthous & Kellert (1987) observaram que estudos utilizando entrevistas diretas para examinar sujeitos com múltiplos atos de violência apontavam para uma associação entre crueldade contra animais na infância e posterior agressão grave e recorrente contra pessoas. Propuseram, então, que o reconhecimento de tal relação poderia melhorar a compreensão da violência compulsiva e facilitar intervenção precoce e prevenção.
MOTIVOS PARA A CRUELDADE CONTRA ANIMAIS
Kellert e Felthous (1985) relacionaram nove motivos que estariam subjacentes à crueldade dirigida contra animais. Abaixo relacionamos os motivos e alguns exemplos de sua manifestação:
1. A criança seria violenta em relação a um animal com a finalidade de controlar, modelar ou eliminar características indesejáveis em seu comportamento com o emprego de uma punição física excessiva e cruel. Um dos sujeitos entrevistados havia chutado os testículos de um cão apenas por ter-se aproximado da mesa para pedir alimento. Outro sujeito batia no animal e utilizava choques elétricos para modificar seu comportamento. Estas práticas envolviam agressividade excessiva;
2. A crueldade também poderia visar a retaliação contra um animal que teria ofendido o sujeito. Um deles atirou e matou um cão que havia tentado acasalar-se com o seu animal. Outro sujeito afogou um cão porque seu hábito de latir muito o incomodava. Em outro caso, o indivíduo ateou fogo em um gato que o havia arranhado;
3. Atos violentos também foram praticados para satisfazer um preconceito contra uma espécie ou raça. Isto foi particularmente comum no caso de tortura e matança de gatos. Um sujeito admitiu uma série de atrocidades contra gatos por não gostar da espécie. Outro explodiu o gato de sua namorada em um forno de microondas. Outro, ainda, atropelou e matou um gato com um cortador de grama. Estes sujeitos geralmente descreviam os gatos como animais traiçoeiros ou com outros defeitos. Nenhum deles, contudo, apresentou um ódio categórico contra cães, mas o preconceito extremo contra cobras, roedores e insetos era comum e esses animais eram indiscriminadamente alvos de tiros, mutilações ou eram queimados;
4. Alguns indivíduos utilizaram animais para ferir outros animais ou pessoas, como meio de expressar sua própria agressividade. Podiam, por exemplo, utilizar um cão para atacar e matar outros animais, sem provocação. A crueldade ocasionalmente ocorria como um recurso para instigar tendências violentas em um animal ou para fazê-lo atacar outros animais ou pessoas. Um sujeito chegou a dar pólvora para seu cão comer para torná-lo mais "duro", valente;
5. A busca do aperfeiçoamento das próprias aptidões agressivas e a tentativa de impressionar outras pessoas com sua capacidade destrutiva também serviram de motivo para atos cruéis. Assim, alguns disseram ter maltratado e mesmo matado animais como um meio para aperfeiçoar seu poder de destruição ou para impressionar outras pessoas a respeito de sua capacidade de violência. Um sujeito, gratuitamente, atirava e mutilava animais para praticar tiro ao alvo, enquanto outro relatou matar animais de modo feroz para impressionar os companheiros de seu grupo de motociclistas;
6. Em outros casos, a crueldade visava simplesmente chocar outras pessoas por diversão. Um dos prisioneiros relatou ter colocado gatos em uma fronha, tê-los mergulhado em fluido de isqueiro e ateado fogo para, depois, deixá-los em um bar. Outro relatou ter colocado pombos em embalagens de leite para depois soltá-los em um restaurante. Outro, ainda, cortava as patas e explodia sapos para divertir-se e para o entretenimento de seus amigos;
7. Os motivos ainda podiam estar relacionados à vingança contra outra pessoa, quando animais pertencentes a outros seriam torturados ou mutilados. Em um caso, o indivíduo cortou fora os testículos de um mão-pelada e os pendurou na porta de sua vizinha, a dona do animal. Em outro caso, o sujeito colocou os gatos de um vizinho em um saco e os espancou com um bastão;
8. Alguns atos cruéis ainda representavam o deslocamento da hostilidade de uma pessoa para um animal. A agressão frustrada contra uma pessoa era deslocada para um animal. Esta agressão deslocada, tipicamente, envolvia figuras de autoridade que o sujeito odiava ou temia, mas tinha medo de agredir. É frequentemente mais fácil, na infância, ser violento em relação a um animal do que contra um dos pais, irmãos ou um adulto. Muitos sujeitos agressivos haviam sido criados em famílias caóticas e eram fisicamente submetidos a maus-tratos. Um sujeito relatou ter sido cruel com animais como um meio de compensar a dor causada pela rejeição dos pais e colegas. Outro disse ter batido em animais como uma vingança para os maus-tratos que havia sofrido. Os casos citados, geralmente, envolviam pessoas próximas que não poderiam ser atingidas. Como o sujeito não podia agredi-las, voltava-se contra os animais, exprimindo de forma deslocada a violência recebida;
9. Finalmente, o sadismo não específico estaria na base do desejo de infringir ferimentos, sofrimento ou morte a um animal, na falta de qualquer provocação ou sentimentos hostis em relação a ele. O objetivo primário era o prazer gerado ao causar ferimentos e sofrimento ao animal. A gratificação sádica, algumas vezes, estava associada ao desejo de exercer poder total ou controle sobre um animal e podia servir para compensar sentimentos de fraqueza e vulnerabilidade. Um sujeito relatou ter arrancado asas de andorinhas e rompido o abdome de anfíbios apenas para observá-los morrer lentamente. Outro disse ter eletrocutado um animal e amarrado as caudas de dois gatos por diversão. Outros se divertiam decepando pequenos animais, como pintinhos, ou cortando e apunhalando peixes.
FATORES RELACIONADOS À CRUELDADE CONTRA ANIMAIS: O COMPORTAMENTO INCENDIÁRIO
Um dos fatores que mais comumente tem sido encontrado como estando associado à crueldade contra animais é o comportamento incendiário ou a prática de atear fogo de modo descontrolado, em crianças. Felthous (1980) verificou que o comportamento incendiário estava significativamente associado com crueldade contra animais. Heath, Hardesty e Goldfine (1984) também encontraram relação entre crueldade contra animais em crianças e comportamento incendiário na infância de pacientes psiquiátricos.
Neste caso, a crueldade para com animais estava associada com incendiários que não apresentavam enurese (mas não com aqueles que apresentam enurese). Sakheim, Osborn & Abrams (1991) também identificaram uma correlação positiva entre crianças incendiárias de alto risco e a crueldade contra crianças e animais.
O que se pode concluir destes estudos é que podemos esperar que crianças que maltratam animais possam manifestar, também, tendências incendiárias que, em última instância, também são manifestações de comportamento destrutivo.
A FAMÍLIA DAS CRIANÇAS CRUÉIS EM RELAÇÃO AOS ANIMAIS
A crueldade dirigida contra animais durante a infância não é um acontecimento isolado, desvinculado do meio social da criança. Vários autores encontraram correlação positiva entre famílias com problemas e crianças que maltratavam animais.
Felthous (1980) apontou como um traço associado à crueldade contra animais o fato da criança ter sofrido uma separação da figura paterna por mais de seis meses. A presença de uma figura paterna, sofrendo de alcoolismo, também estava associada à crueldade. Kellert e Felthous (1985) também apontaram correlações encontradas entre os indivíduos com história de maus-tratos contra animais e as condições familiares nas quais cresceram. A violência doméstica era comum nas famílias dos criminosos agressivos investigados que eram cruéis com animais.
Tal violência assumia muitas formas, embora a violência extrema por parte do pai e o alcoolismo fossem especialmente comuns. No caso de crianças incendiárias cujo comportamento estava correlacionado com crueldade contra animais, Sakheim, Osborn & Abrams (1991) destacaram a importância do relacionamento com os pais, especialmente a mãe, na origem do problema. Todos os casos graves de crianças incendiárias investigados apresentavam fortes sentimentos de ira e ressentimento contra rejeição materna, abandono, maus-tratos ou privação emocional.
O fato de uma criança maltratar animais pode ser um indicativo de que as condições familiares estejam profundamente alteradas, tornando necessário algum tipo de intervenção.
O QUE FAZER QUANDO A CRIANÇA MALTRATA ANIMAIS?
A criança que, repetidamente, pratica atos de violência contra animais deve ser acompanhada por pais, professores, médicos e psicólogos. Deve-se estar atento para a importância da crueldade contra animais, como um indicador potencial de relacionamento familiar alterado e futuro comportamento anti-social e agressivo. Outros atos de crueldade podem ser esperados em uma criança que já tenha demonstrado episódios de violência contra um animal.
A conquista de uma sociedade humana mais pacífica e harmoniosa também depende da promoção de uma ética mais positiva entre crianças e animais. Se a agressão contra animais pode generalizar-se e envolver seres humanos, uma postura ética de compaixão e de respeito por essas criaturas implica em respeito, também, pelos seres humanos. Nosso compromisso ético não se limita a nosso relacionamento com outras pessoas dentro da sociedade. O respeito pela natureza, pelas plantas e pelos animais tem reflexos em nossa atitude em relação a outras pessoas e os crimes contra a natureza constituem crimes contra a humanidade.