segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O JUDICIÁRIO BRASILEIRO...EMPOBRECE!

Última manifestação do Des. Fernando Botelho, antes de seu desligamento no próximo dia 17. 


Senhor Presidente,
Eminentes Colegas Desembargadores,
Senhores e Senhoras Advogados,
Prezados Servidores desta 8ª. Câmara Cível,
Meu Ágape
Peço licença para um registro, para mim imprescindível, Senhor Presidente.
Esta é a última sessão de que participo neste Tribunal e nesta 8ª. Câmara Cível.
É o último ato jurisdicional da minha vida na magistratura.
Requeri, no último dia 06/maio – data do meu aniversário – a exoneração do meu cargo, de Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Já deferido a esta altura, o pedido de exoneração será publicado no Diário Eletrônico do Judiciário no próximo dia 17/agosto, data em que também completo 4 anos como membro desta Corte.
Não me sendo possível estar presente na sessão próxima, do dia 11/agosto, é esta a da minha despedida; despedida dos queridos colegas, dos queridos amigos, dos advogados, dos queridos servidores, com os quais tive a honra de atuar nestes últimos 4 anos, no exercício do meu cargo neste Tribunal.
Para me despedir hoje, escrevi este pequeno texto, que peço licença para ler aqui.
Algo muito simples, singelo mesmo, mas que vem do coração, da alma, e do meu mais sincero sentimento; algo que se inspira, devo dizer, no tema de um recente livro, do Padre Marcelo Rossi, chamado Ágape.
Ágape é sinônimo de amor; de amor incondicional, de amor generoso, sem limites; amor puro, livre ! Amor que não pede; Amor que concede...amor como ação...amor como essência da vida...amor como a Luz Divina, que ilumina as trevas (dos sentimentos humanos egoísticos) !
O livro me foi dado de presente, para uma leitura especial nesse momento da minha vida profissional, pessoal, familiar.
Presente de uma pessoa muito querida, que é, em sua vida pessoal, a prática viva do amor Ágape, do amor aos filhos, à família, aos amigos, e ao seu Deus.
Ela me concedeu um tanto desse amor Ágape, ao me presentear com o trabalho do Padre paulista; com ele, me concedeu a (sua) luz Divina; que agora ilumina, também aqui nesse momento, uma das mais difíceis passagens da minha vida.
Li o Ágape do Padre Marcelo; com ele à mão, numa madrugada fria desse nosso inverso, escrevi essas linhas de despedida.
Tomo por empréstimo o Ágape (dele). E o transformo, aqui, na revelação do meu.
Quero falar então do Meu Ágape nesse especial momento ! Falar do meu amor incondicional – pelo meu ofício, que agora se encerra; falar do amor pela carreira que abracei há 22 anos !
Meu Ágape pelo ato de julgar; meu amor confesso pelo decidir a vida do meu semelhante !
Meu amor eterno por essa que agora parece uma fagulha do tempo da minha existência, que gostaria pudesse ter durado mais !
Uma confissão ! Pública, de última hora. Mas uma confissão que quero deixar aqui, registrada, nos anais desta Casa: a do meu amor pela magistratura; do meu Ágape pelo ofício de julgar.
Esse Ágape tem uma história, que segue, agora, na memória e no coração: minha história na magistratura do meu Estado. Seguirá comigo, onde quer que eu vá.
Sei que é também a história de tantos de nós, que julgamos; a de todos que trilhamos o ofício; mas, permitam-me por um breve instante, torná-la pública sob a marca da minha pessoal trajetória.
Peço licença para eterniza-la nesse último lapso de registro; para gravá-la aqui, solene; para dizê-la com a mais profunda emoção, e apenas com o coração; e para falar brevemente dela, sem rebuscos, sem formalidades.
A minha paixão de julgar !
História que começa em Esmeraldas, numa tarde de mais de duas décadas atrás.
Errando pelas curvas do acesso à antiga Santa Quitéria, saído da advocacia liberal da capital; do escritório dinâmico, urbano; da companhia elegante e técnica, dos advogados meus amigos-padrinhos; saído da imagem do querido Tio, advogado, ilustre, competente, sério, dedicado, saído, ainda, da saudosa imagem do pai, amoroso, gentil, jornalista, eu era, ali, dúvida personificada, sobre o ofício novo; sobre a Esmeralda da colina de Santa Quitéria, que nunca chegava naquele primeiro acesso; sobre a sua gente simples, que aguardava o seu novo juiz; prossegui pelo tortuoso caminho daquela tarde inicial !
Nada de vocação inata, sonhada, desejada desde criança.
Apenas um instinto, com ele a cogitação, e muito a influência – do juiz que me concederia a filha, o maior presente de convívio de toda a minha vida ! Presente que, como o ofício, me acompanha, desde então, na vida e nos frutos do nosso outro Ágape.
Entrado, no antigo ambiente do fôro local, apresentado ao serviço, aos escaninhos, à sala do andar superior, ao gabinete de teto alto, de mesa antiga, ligado ao salão do júri e suas samambaias de parede; à solidão da austeridade; aos servidores antigos; aos processos e à liturgia do cargo, começou, naquele instante, o meu Ágape;
Amor conquistado à primeira vista, ao primeiro contato, pelo carinho, pela atenção, de todos, de tudo, com o jovem, muito mais aprendiz que juiz;
Esmeraldas foi mãe, professora, laboratório.
Ágape por aquele custo inicial de formação, de amadurecimento, de iniciação.
Ágape que aqui, no seu outro momento, o derradeiro, revive a emoção do início.....
Não vou cansar a todos com um desfiar de passagens do trabalho que começou ali, e que muitos conhecem de suas próprias trajetórias; a minha, que também incluiu Lagoa Santa, Sete Lagoas, Ribeirão das Neves, Itabira, Ferros, Contagem, Belo Horizonte,
conquistou e amadureceu o profissional e o homem, levando, no conjunto, a família, hoje ocupando todo um ambiente de vida pessoal.
Aos que conhecem desse incrível ofício não é preciso dizer mais; quero só subinhar que a minha pessoal história teve, como a de tantos, o seu marcante começo, um intenso meio, e, agora, um difícil desvio, digamos; mas que, em todo o seu curso, foi guiada, sempre, por um amor incondicional, pela verdadeira paixão do homem por seu trabalho, e pelo respeito, conquistados a um coração que nunca imaginou fosse se apegar tanto e tão organicamente ao ofício.
Intenso o meu Ágape !
Passados, hoje, tantos anos, revelo, do fundo da alma, que foi, que é, muito difícil deixá-lo; muito, muito mais que ingressar nele, vinte e dois anos atrás, é difícil sair.
Mas a serena decisão, de agora, que também não imaginava tomar, que não queria adotar; tomada quando imaginava prosseguir, ir além, traz, trouxe, nova paz; uma paz intrigante.
Paz paradoxal !
Paz que só a compensação de um Ágape por outro é capaz de produzir !
Um amor pelo outro. Lógica que desata o dilema. Lógica, que não é a da razão; é a do coração; ele, sempre; do início até agora.
A decisão, a que mais me entreguei como homem e, creio, como Juiz, acaba de me ensinar que o amor prossegue moldando seu próprio destino, e por razões próprias.
As razões do coração não são às vezes as da vontade consciente; são as dele; que as resolve e nelas interfere pouco de uma lógica concreta.
Decidir razões do próprio coração, as que o coração molda sem quase percebermos, ao longo de toda uma vida, é o que a experiência, a concretude lógica, não fazem sequer justiça; nem ajudam, muitas vezes, a compreender....
Tarefa quase sobre-humana, esta, que, repito, só o próprio amor desata; ele, de novo e sempre !
O Ágape !
O amor pelo ofício de julgar foi conduzido, em mim, pelo amor máximo, maior, da vida: o dos filhos e o amor pela família.
É de onde vem a minha resposta; de onde veio a difícil decisão; e de onde extraio a paz, que tranqüiliza; guiada pelo Ágape, agora exponencial; outra vez ele, presente.
O Ágape de hoje é então o da minha vida, que incluiu o do partir; é o que revelou, dirigiu, absorveu, definou o tempo do amor pelo trabalho !
Levo, em paz, desse, que considero o mais intenso período da minha vida, o amor que devotei à magistratura que exerci;
Na memória seguem os seus momentos, todos, registrados; eles, que fizeram minha, pessoal, essa história; eles, que, no alvo da construção profissional, construiram a pessoa, o homem, o pai, o cidadão; lição aprendida: juiz, que se constrói, é homem que se colhe; .....seguem, por isso, comigo, nas novas caminhadas, todas as marcas, profundas, produzidas sobre a minha própria existência.
Não importa, em contexto de tão íntimas revelações, o que vá fazer de agora em diante; importa aqui é a revelação desse amor, desse profundo respeito, pelo trabalho, pelo Judiciário do meu Estado e do meu País, que tive a honra de integrar.
Fica também registrado, por ele, todo o carinho, emocionado, pelos incontáveis amigos que colhi da caminhada, eles que me devotaram sua compreensão, sua bondade, e sua ajuda, em todos esses anos na magistratura.
Meu carinho pelos servidores com quem trabalhei em todas as Comarcas, na Corregedoria, e, finalmente, aqui, no Tribunal - a imponente Corte da Relação, o honrado Tribunal de Justiça de Minas Gerais; Tribunal que vi, que ouvi, nas andanças pelo país, ser tão respeitado, tão considerado, como referencial da estrutura judiciária da nação.
Tribunal de Justiça sob cujo ar histórico, sob cujas tradições, sob cuja atmosfera das centenas de sessões de julgamento da nossa Câmara, senti a emoção máxima, quase indescritível, de definir os rumos da vida dos semelhantes de todo o Estado !
Meu respeito pelo juiz, essa figura da esperança nacional sobre a qual recai toda uma crescente carga de problemas estruturais da vida coletiva; figura que me licencia, aqui, para uma homenagem especial, com a permissão dos meus colegas; homenagem a um juiz, ele bem sabe, que me acolheu, como filho; em suas preocupações, em suas orações, em sua infinita bondade, esteve sempre ao meu lado, guiando meus passos, ajudando nas soluções, nas ponderações; sempre dando a sua mão solidária e sua infinita visão humana da vida.
Minha homenagem ao Desembargador Bernardino Godinho Campos, magistrado, avô dos meus três filhos; homem de bem; profissional de sobra; um grande juiz. Na figura dele, peço licença para reverenciar, nesta minha despedida, a de todos os juizes dedicados, respeitados por seu trabalho devoto, por seu amor Ágape ao ofício; juizes que habitam cada gabinete, cada instância, dessa honrada Justiça do nosso Estado.
De modo muito especial, finalmente, fica o meu carinhoso e eterno respeito, a amizade e a alta consideração, pelos meus queridos irmãos Desembargadores desta 8ª. Câmara Cível, Edgard Penna Amorim, Teresa Cristina da Cunha Peixoto, Antoninho Vieira de Brito, e Pedro Carlos Bittencourt Marcondes – cujos nomes pronuncio com especial
emoção; irmãos que fiz na fé e devoção ao trabalho jurisdicional nesta Côrte; profissionais brilhantes, fantásticos, de notório reconhecimento público, ao lado dos quais cresci, aprendi, atuei, neste incrível colegiado de Direito Público, que faz, fez, e fará uma grande história em Minas Gerais.
Meu orgulho por ocorrer exatamente aqui, no seio, no ambiente, e na intimidade fraterna, desta 8ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o momento definidor do meu destino próximo !
Retiro-me da magistratura que abracei. Levo, comigo, a toga que usei, as imagens que construí, e as que se construiram sobre mim; passo, agora, em retorno, por aquele mesmo portal desta sala de sessões, por onde entrei 22 anos atrás para a seleção de ingresso na magistratura;
Finalizo, com uma última passagem do Ágape do Padre Marcelo Rossi; uma, agora, em que transcreve um conto chinês que narra a história de um jovem que, em visita a um sábio conselheiro sobre seus primeiros sentimentos de amor, ouviu dele:
" ....Amar é uma decisão, não um sentimento.
Amar é dedicação.
Amar é um verbo e o fruto dessa ação é o amor.
O amor é um exercício de jardinagem.
Arranque o que faz mal, prepare o terreno, semeie, seja paciente, regue e cuide.
Esteja preparado porque haverá pragas, secas ou excesso de chuvas, mas nem por isso abandone o seu jardim.
Ame, ou seja, aceite, valorize, respeite, dê afeto, ternura, admire e compreenda.
Simplesmente: Ame !
A vida sem AMOR...não tem sentido.
A inteligência sem amor te faz perverso.
A justiça sem amor te faz implacável.
A diplomacia sem amor te faz hipócrita.
O êxito sem amor te faz arrogante.
A riqueza sem amor te faz avarento.
A docilidade sem amor te faz servil.
A pobreza sem amor te faz orgulhoso.
A beleza sem amor te faz ridículo.
A autoridade sem amor te faz tirano.
O trabalho sem amor te faz escravo.
A simplicidade sem amor te deprecia.
A lei sem amor te escraviza.
A política sem amor te deixa egoísta.
A vida sem AMOR...não tem sentido. "
Obrigado a todos por tudo.

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