sábado, 21 de maio de 2011

AUTO DA LUSITÂNIA!

Todo Mundo e Ninguém, Gil Vicente

TODO MUNDO E NINGUÉM, AUTO DA LUSITANA, GIL VICENTE


Ninguém: Qual o seu nome, cavalheiro?

Todo-Mundo: Eu me chamo Todo-Mundo e todo meu tempo busco dinheiro, e sempre nisso me fundo.

Ninguém: Eu me chamo Ninguém e busco a Consciência.

Belzebu: Eis uma boa experiência: Dinato, escreve isto bem.

Dinato: Que escreverei, Companheiro?

Belzebu: Que Ninguém busca consciência e Todo-mundo dinheiro.

Ninguém: E agora que buscas lá?

Todo-Mundo: Busco honra muito grande

Ninguém: Eu,
virtude, que Deus ordene que a encontre já.

Belzebu: Outra adição: escreve logo aí, que honra Todo-Mundo busca e Ninguém busca virtude.

Ninguém: Buscas outro bem maior que esse?

Todo-Mundo: Busco mais quem me louvasse tudo quanto fizesse

Ninguém: E eu quem me repreendesse em cada coisa que errasse.

Belzebu: Escreve mais

Dinato: Que tens sabido?

Belzebu: Que Todo-Mundo quer em extremo grau ser louvado, e ninguém ser repreendido.

Ninguém: Buscas mais, amigo meu?

Todo-Mundo: Busco a vida e quem ma dê.

Ninguém: A vida nem sei que é, e a
morte conheço eu.

Belzebu: Escreve lá outra sorte

Dinato: Que sorte?

Belzebu: Todo-Mundo busca a vida e Ninguém conhece a morte.

Todo-Mundo: E mais queria o
Paraíso sem a ninguém estorvar.

Ninguém: E eu por ter a pagar quanto devo para isso.

Belzebu: Escreva com muito aviso

Dinato: Que escreverei?

Belzebu: Escreve que Todo-Mundo quer
Paraíso e Ninguém paga o que deve.

Todo-Mundo: Folgo muito em enganar e mentir nasceu comigo.

Ninguém: Eu sempre
verdade digo sem nunca me desviar.

Belzebu: Ora escreve lá compadre, não sejas tu preguiçoso

Dinato: Que?

Belzebu: Que Todo-Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade.

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